Walter Pinto
Água suja não pode ser lavada. O provérbio africano, mencionado pelo professor Armando Mendes na abertura do seminário internacional "Problemática do uso local e global da água da Amazônia", se aplica bem à região, onde a ação do homem nos recursos hídricos tem provocado danos irreparáveis principalmente às populações locais.
No plano internacional, a escassez de água é a mais recente preocupação, sendo percebida e anunciada como verdadeira catástrofe mundial, como afirmou a pesquisadora Bertha Becker, do departamento de Geografia da UFRJ. "A água está rareando em todo planeta, a ponto de lhe serem atribuídos um valor similar ao do petróleo no século XX", disse.
Enquanto em diferentes partes do mundo, experiências alternativas buscam solucionar a questão da escassez, como as 7.500 usinas de dessalinização em operação, o Brasil detém 18% das reservas de água doce do planeta. A maior parte destas águas está concentrada na Amazônia.
Se não há escassez na região, as águas, nem por isso, chegam aos lares de todos os amazônidas. E nem tampouco estão livres da contaminação por arsênio, cromo, chumbo e mercúrio.
Debates - Durante cinco dias, de 9 a 13 de março, pesquisadores de universidades e institutos de ciência e tecnologia da Pan-Amazônia, estiveram reunidos no auditório do Beira-Rio Hotel, para discutir o uso e a geopolítica das águas, identificando elementos para a formulação de políticas.
Coordenado pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, o seminário internacional fechou as comemorações pelos seus 30 anos.e se tornou o marco do Programa de Cooperação Sul-Sul. A sessão de encerramento contou com a presença do ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral.
Em oito painéis, cada um com um expositor e dois debatedores, foram apresentados estudos sobre a poluição dos recursos hídricos, a importância para a navegação, os fatores determinantes da construção de hidrelétricas , a inserção da Amazônia na geopolítica da água, a legislação e os sistemas institucionais de gestão dos recursos hídricos e a cooperação amazônica para o uso sustentável destes recursos.
O seminário refletiu sobre o divórcio entre os grandes projetos e o desenvolvimento regional, como no caso da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí. "Em 1975, providências para o aproveitamento dos potenciais da região Norte ganharam efetividade, só que não em benefício de seu povo e sim para dar suporte aos empreendimentos mínero-metalúrgico de altíssima demanda energética", expôs o cientista José Roberto da Costa Machado, da Universidade Federal do Amazonas.
O professor e pesquisador Camilo Dominguez, da Universidade Nacional da Colômbia, mostrou seus estudos sobre a navegabilidade nas três principais bacias hidrográficas da Amazônia, formadas pelos rios Amazonas, Orenoco e Guianas. Criticou a construção de barragens sobre os rios amazônicos, por se constituírem em intervenções controvertidas com graves conseqüências sobre ecossistemas e comunidades indígenas e de colonos que vivem nas áreas inundadas.
O coordenador do Naea, professor Luis Aragon, ao falar sobre cooperação amazônica e uso da água, considerou "indecente que, em pleno século XXI, milhões de pessoas não tenham acesso à água realmente potável e que tantas crianças deixem de sobreviver por falta de água ou por consumo de um produto contaminado".
As análises consistentes da geopolítica do uso da água nos Trópicos Úmido apresentadas no Seminário representam uma contribuição para o Foro Mundial sobre a Água que se reunirá em Kyoto, no Japão.
Ministro quer reduzir fosso científico entre Norte e Sul
O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, está ligado à Amazônia por vínculos sentimentais. Seus familiares vieram cedo para a região. O avô, líder abolicionista no Ceará, foi fazer a campanha no Amazonas. Parte da família ficou no Pará. O ministro viveu em Belém por certo tempo e guarda boas recordações da cidade.
Também o ligam questões de ordem política. "Como brasileiro, sul-americano, tenho a convicção de que a Amazônia é uma solução de todos os povos que fazem a região", disse no pronunciamento de encerramento do seminário sobre a problemática do uso da água, promovido pelo Naea. Esta foi a segunda visita do ministro em menos de um mês à Amazônia.
Ao assumiu o MCT, Roberto Amaral propôs uma ampla discussão em torno de um tema polêmico: a desconcentração de recursos. Avisou que a prioridade será agora para Estados mais carentes, "para que deixem de ser carentes".
Em Belém, garantiu que a Amazônia receberá melhor tratamento no governo Lula. Ele se mostra disposto a reduzir o enorme fosso que separa o Norte do Sul, historicamente melhor aquinhoado pelos recursos federais.
Falando como um amazônida, Amaral diz que "a nossa região tem sido vítima da biopirataria, muitas espécies estão ameaçadas, sabemos que a bacia amazônica também tem fragilidades, existe uma perigosa contaminação de chumbo e mercúrio". A saída para assegurar a integridade da região, do seu ponto de vista, é o investimento no desenvolvimento. "A grande vacina da Amazônia é o seu desenvolvimento, mas um desenvolvimento sustentável que tenha como base a qualidade de vida dos seus habitantes".
O ministro garante que o governo federal fará o que for da sua competência. "Não há possibilidade de desenvolvimento da Amazônia sem investimentos em energia, mas seu preço não pode ser a degradação ambiental. Há um novo ministério de Minas e Energia, há um novo ministério de Meio Ambiente, que carregam consigo estas preocupações. Vamos ter uma política de desenvolvimento regional, fortalecendo as instituições de excelência, como o Inpa, o Goeldi, as universidades".
O desenvolvimento, porém, observa, "não pode ser somente um projeto do governo; tem que ser um projeto do povo brasileiro, um projeto da sociedade, que influa no nosso governo, mas também nos governos que o sucederem".
Neste sentido, Roberto Amaral tomou como exemplo a realização do próprio seminário internacional sobre a problemática do uso da água. "Aqui estão reunidos o governo federal, as universidades, os organismos regionais, a Unesco e a sociedade civil. Este é o modelo que estamos propondo, um grande laboratório, cuja qualidade dos trabalhos e suas conclusões indicam que estamos no caminho certo", explicou.
Os trinta anos do Naea
O Naea chegou aos trinta anos como uma referência internacional em estudos amazônicos. O ministro Roberto Amaral fez elogio à sua atuação, enquanto pesquisadores de instituições Pan-amazônicas pedem a abertura de similares em suas regiões.
Não foi fácil tornar o Naea essa referência. A concepção interdisciplinar proposta em 1972 por um de seus idealizadores, o professor Armando Mendes, era tão avançada que nem mesmo instituições de fomento, como o CNPq, sabiam como enquadrar a sua pós-graduação.
A concepção também gerou dificuldades em relação ao corpo docente do nascente núcleo. Seus professores pertenciam aos diferentes departamentos e centros da UFPA.Essas dificuldades só foram superadas na gestão do reitor Nilson Pinto, quando foi autorizado ao NAEA ter um corpo docente próprio.
Nestes trinta anos, o Naea formou mais de 500 especialistas, mais de 160 mestres e, até 2002, tinha formado 18 doutores. A concepção interdisciplinar permite que profissionais de qualquer área possam cursar a sua pós de graduação, que a cada ano bate recordes de procura, demanda esta não só brasileira, mas de vários países da América Latina.
Voltado para os estudos sobre a Pan-Amazônia, o Naea se transformou num poderoso laboratório sobre questões do desenvolvimento, de onde saem docentes e pesquisadores para as instituições de ensino superiores e também técnicos para as áreas de governo e instituições da sociedade civil.
A biblioteca Professor José Marcelino Monteiro da Costa é dotada de um acervo especializado em assuntos amazônicos, formado por 11.600 títulos de livros, 841 periódicos nacionais e estrangeiros, 17.903 fascículos, 223 livros raros e 610 teses e dissertações. Cerca de 60% desse acervo se encontra cadastrado na base de dados, podendo ser acessado através do endereço www.ufpa.br/bc.
O Naea conta ainda com sua própria editora responsável pela editoração dos estudos produzidos por seus pesquisadores. A linha editorial está agrupada em cinco categorias: Livros, Prêmio Naea, Periódico Novos Cadernos, Papers e Publicações Eletrônicas.
O tamanho do crescimento do Núcleo faz com que o velho prédio na curva do Campus II se tornasse pequeno. A coordenação está pleiteando junto a Reitoria da UFPA, a ampliação do espaço físico, construção de mais salas de aulas e instalação da biblioteca em prédio próprio
Os poluídos e mortos canais de Belém
Sem praças ou áreas específicas para o lazer, as crianças vizinhas do campus Universitário do Guamá costumam apostar nado nas águas poluídas do Igarapé do Tucunduba. Em alegre algazarra, elas nem imaginam os perigos a que estão expostas.
A pesquisadora Vera Braz, mestra em Geofísica, vê a cena com tristeza. Ela sabe que o igarapé que corta o campus carrega uma enorme carga orgânica jogada por milhares de pessoas que habitam as suas margens.
"É uma sensação de tristeza porque, apesar da gente saber que as pessoas adquirem resistência à medida que são expostas a determinados elementos químicos e bacteriológicos, de qualquer maneira podem adquirir doenças, que qualquer um de nossos filhos, com os cuidados que temos em casa, não adquiririam", explica. "É por isso que os postos de saúde vivem cheios de crianças que necessitam de tratamento, nem sempre atendido".
A pesquisadora do Centro Tecnológico da UFPA se dedica ao estudo da poluição dos recursos hídricos da Amazônia, com área de concentração na Grande Belém. O quadro do Tucunduba em nada difere dos demais canais e igarapés que cortam a capital paraense.
Durante a apresentação do seu trabalho no seminário sobre o uso das águas na região, Vera Braz disse que esses cursos d'água se transformaram em esgotos a céu aberto.
Numa cidade onde apenas 4,8% da população dispõem do serviço de coleta e tratamento de esgoto, os canais e igarapés recolhem diariamente 70 toneladas de carga orgânica, que vão parar nas águas da baía do Guajará e no rio Guamá. E estamos falando apenas de lixo produzido pelo homem. Quando se contabiliza a contribuição da indústria, a situação se complica ainda mais.
Na verdade, os igarapés e canais de Belém estão mortos. A pesquisadora fez esta comprovação através da quantidade de oxigênio dissolvido. Doze dos quatorze canais das principais bacias apresentaram taxas de oxigênio muito abaixo do recomendado pela legislação. As exceções foram as bacias do Murutucum, a mais isolada, e do Aurá, que sofre a influência do aterro sanitário mas não é densamente habitada.
A maior concentração de carga orgânica é registrada na bacia do Una, a maior e mais densamente habitada. São 24, 3 toneladas todos os dias em direção à baía.
Os dados da pesquisa estão sempre atualizados e mostram que nem mesmo após a implantação da Macrodrenagem a quantidade de esgoto jogada nos canais da cidade diminuiu quanto era esperado.
"Não há dúvida que a Macrodrenagem melhorou a qualidade de vida da população da área atingida pelo programa. Hoje, há mais vias de acesso, a drenagem está sendo melhor efetuada, há um controle relativo de enchentes, melhorou também a questão de transporte, mas em relação a saneamento, esgotamento sanitário, infelizmente ainda deixa a desejar", afirma.
De acordo com Vera Braz, o projeto inicial da Macrodrenagem sofreu alteração. No lugar de uma estação de tratamento e rede coletora, fez-se opção por fossas, que nem sempre atuam com a eficácia sanitária desejada.
O problema, porém, não fica confinado às águas de Belém. Pesquisas mostram que as correntes do estuário se encarregam pelo possível deslocamento da grande carga poluidora lançada na baía do Guajará em direção às praias localizadas ao Norte da capital. E são justamente essas praias as mais freqüentadas pela população de Belém.
A ocorrência de coliformes fecais nas águas de Mosqueiro é tão intensa que atinge até mesmo praias mais distantes e isoladas, como o Paraíso.
É verdade também que parte da poluição do Mosqueiro é fruto da ausência de rede de esgoto e tratamento na ilha. O problema, no entanto, deve melhorar um pouco quando começarem a funcionar as 16 lagoas de estabilização em construção desde a vila até a praia do Chapéu Virado. O problema que afeta a balneação das praias, acredita Vera Braz, porém, não será eliminado.
Fonte: http://www.ufpa.br/beiradorio/arquivo/beira07/noticias/noticia4.htm
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